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domingo, 9 de novembro de 2008

Trincheira de fumaça


ENTREVISTA: Flavio de Andrade
Trincheira de fumaça

O presidente da Souza Cruz revela
como é a guerra diária para vender
um produto demonizado


"Nós estamos falando, sem dúvida, de riscos. Cada um de nós deve avaliar se está disposto a assumi-los"

Há 32 anos, o paulistano Flavio de Andrade, 54 anos, vende cigarros. Nos últimos oito tem ocupado o cargo de presidente da Souza Cruz, a maior indústria do setor na América Latina. Ou seja, é basicamente para ele que apontam os canhões toda vez que os militantes da campanha antitabagista resolvem bombardear os fabricantes brasileiros. No mês passado, a Organização Mundial de Saúde aprovou uma convenção duríssima, cujo objetivo é restringir ainda mais o uso do tabaco no mundo. Para enfrentar as tensões provocadas por essa guerra, Andrade relaxa a bordo de um automóvel de competição a 262 quilômetros por hora, em provas de longa duração. E, claro, conta com a ajuda de pelo menos vinte cigarros diários, que consome sem culpa. "Ao falar de cigarro, estamos indubitavelmente falando de risco. Mas tenho grande prazer em fumar", diz. O Brasil é um dos países com mais restrições à comercialização de cigarro e à propaganda. Apesar desses obstáculos, sua companhia teve, em 2002, um lucro de 960 milhões de reais, o maior de sua história. Na semana passada, Andrade recebeu VEJA para a seguinte entrevista.

Veja – Não provoca algum tipo de problema de consciência vender um produto tão contestado?
Andrade – Cada um de nós deve avaliar se está disposto a assumi-los. Eu, por exemplo, sou fumante, mas faço exercícios todos os dias de manhã. Meu estado físico me permite entrar numa pista e dirigir um carro em alta velocidade durante duas horas sem parar. O que, aliás, é outra coisa que provoca riscos. Porém, gosto de dirigir automóvel de competição. Claro que tento me proteger o máximo possível, mas pratico essa atividade porque me propicia benefícios como poucas outras coisas. O cigarro traz riscos, mas também proporciona muito prazer.

Veja – Mas o fato é que estamos falando de um produto que pode provocar câncer. Esqueçamos o lado executivo. Para o cidadão Andrade, não é um incômodo?
Andrade – Isso me traz sempre o pensamento de ter de desenvolver ainda mais nossos produtos. Reconhecer que é um produto que envolve riscos me leva a buscar constantemente a redução de determinados componentes na fumaça. E nós estamos conseguindo reduzi-los, com o tempo. Nesse sentido, isso não me dá aflição. Não me incomoda. Me dá inclusive um sentimento de trabalhar numa empresa responsável e ética e de ser um executivo responsável e ético.

Veja – Como é lidar com toda a campanha antitabagista que só faz crescer no Brasil?
Andrade – O sentimento de rejeição ao cigarro foi desenvolvido, muitas vezes, com argumentos pouco razoáveis. O melhor exemplo foi quando se criou a idéia do fumante passivo, segundo a qual uma pessoa teria os mesmos riscos de saúde que os fumantes ao estar exposta à fumaça ambiental. O que se objetivava com essa campanha era criar uma pressão extraordinária sobre o tabaco. Isso tomou mais corpo porque as pessoas passaram realmente a acreditar. No mundo inteiro, o porcentual médio de fumantes é de 30%. Então, cria-se uma pressão de 70% da população contra apenas 30%. Chega a ser discriminatório. Eu percebo que, em determinados lugares, quando você acende um cigarro, é comum ouvir uma piadinha.

Veja – O senhor já passou por isso?
Andrade – Sempre pedi licença às pessoas, mesmo em ambientes em que é permitido fumar, antes de acender um cigarro. Mas me lembro de uma vez em que tive problemas. Foi quando ainda se permitia fumar em vôos. Eu estava em um avião de Los Angeles para Tóquio e não tinha ninguém do lado. O pessoal da frente, acho que eram americanos, se incomodou muito quando acendi o cigarro. Quase houve uma batalha dentro do avião. Mas a reação foi de tanta arrogância que decidi continuar a fumar. Eu estava sentado numa poltrona em que era permitido. As pessoas acabaram mudando de lugar. Porém, tenho de reconhecer que em ambientes fechados, principalmente no caso de um avião, a fumaça incomoda muito. Lembro de um dia em que estava viajando de Curitiba para Brasília, no tempo em que se permitia fumar na parte traseira do avião. Quando olhei, no corredor, era uma fumaça insuportável. Na hora em que vi aquilo, percebi que não podia continuar assim.

Veja – É surpreendente o senhor admitir isso, pois ficou conhecido o fato de que quando algumas empresas proibiram o cigarro em suas dependências o senhor se envolveu pessoalmente no contra-ataque.
Andrade – Realmente fiz isso com algumas empresas. Tive de entrar nessa briga. Posso entender que se queira ter esse tipo de programa corporativo por uma série de razões que não discuto. Mas, se o argumento é que a fumaça ambiental faz mal, então estão equivocados. Cheguei a mandar a vários presidentes de empresas estudos epidemiológicos sobre isso. A maioria dos estudos chegou à conclusão de que a fumaça ambiental não prejudica as pessoas. Mas não se pode abrir mão do bom senso. No caso dos aviões, estava ficando insustentável. Acredito numa relação de cordialidade entre fumantes e não-fumantes. Tanto que criamos, na Souza Cruz, programas para ajudar bares e restaurantes a tornar essa convivência mais cordial.

Veja – A Souza Cruz teve lucro recorde no ano passado. Como foi possível obtê-lo, tendo em vista o ambiente de baixo crescimento econômico e a proibição à propaganda de cigarro no Brasil?
Andrade – O cenário foi realmente adverso. Tivemos uma drástica redução nas vendas do chamado mercado legal, enquanto continuaram crescendo o contrabando, a falsificação e a sonegação fiscal. Vendemos menos no ano passado do que em 2001. O que ocorreu é que tivemos um desempenho muito bom nas exportações de fumo, segmento no qual somos um dos maiores do mundo. É claro que também fomos ajudados pela desvalorização cambial. Mas temos conseguido aumentar nossa eficiência. A Souza Cruz implantou um programa, em 1996, chamado Agenda Estratégica. O objetivo básico é buscar maior eficiência na utilização dos recursos da companhia. Hoje, a empresa tem o custo mais baixo de todas as companhias pertencentes à British American Tobacco, nossa holding.

Veja – Qual tem sido o efeito daquelas imagens horrorosas estampadas nos maços?
Andrade – Isso é muito novo. Se me perguntar que reflexo tem isso, ainda não há uma avaliação precisa. Dois países têm esse tipo de imagens: Brasil e Canadá. O Canadian Cancer Society fez uma pesquisa e não chegou a grandes conclusões. Portanto, não podemos dizer quanto isso é negativo nem sequer se é negativo. O número de novos consumidores vem sendo reduzido de tempos em tempos. Essa queda não se acentuou com a restrição da propaganda nem com a presença das imagens nos maços. Mas tendo a achar que a médio e a longo prazo isso pode reduzir o tamanho do mercado. Tenho de reconhecer que aquelas imagens não são nada simpáticas.

Veja – Mas o senhor não concorda que, por ser um produto que envolve riscos, a restrição é necessária?
Andrade – Quando foi proibida a publicidade no país, eu até podia compreender a restrição em mídia eletrônica, porque em boa parte do mundo isso já havia acontecido. Em nossa companhia nós temos um código de conduta, que é seguido nos vários países onde atuamos, que proíbe a publicidade em diversos veículos e horários na TV. Principalmente naqueles que atingem o público infantil e o adolescente. O que eu não conseguia entender era a proibição à utilização de determinados veículos, como revistas e jornais, que estão longe de chegar a esse público. Muito menos a eliminação de eventos promocionais.

Veja – A ausência de propaganda tem reduzido o número de consumidores?
Andrade – Não. O tamanho do mercado permanece o mesmo. O que tem sido reduzido é a parcela do mercado legal, isso sim. Uma possibilidade que se tinha no passado para fazer a diferenciação entre os produtos legais e os ilegais era a capacidade de nos comunicar com os consumidores. Daqui a algum tempo, teremos uma massa de coisas que serão muito parecidas. A ausência da propaganda ou outras ações tomadas pelas autoridades públicas, como essas imagens existentes no maço de cigarros, provavelmente terão efeito sobre o consumo no futuro. E a ilegalidade tende a crescer com isso. Acho que deveríamos manter a capacidade de informar a população sobre nossas marcas, sobre a segurança de nossos produtos, porque isso é uma forma de prevenir as pessoas contra os produtos que estão sendo oferecidos pelo mercado ilegal. Alguns deles são absolutamente nocivos porque não se tem a menor responsabilidade em sua fabricação. E estão aí, no mercado, circulando livremente.

Veja – O setor de cigarros tem sido freqüentemente alvo de contrabando e falsificação. O que é necessário para acabar com isso?
Andrade – Não é um privilégio nosso. Vários outros setores sofrem com isso, mas, no segmento de cigarros, 33% do mercado está na mão da ilegalidade. Como a alíquota de imposto é muito alta, torna-se um excelente negócio para as pessoas que estão dispostas a correr um risco mais elevado para obter ganhos também elevados. Isso por si só é uma notícia ruim. Mas a notícia pior é que isso não pára de crescer. Quando começamos a conversar com o governo, em 1993, a ilegalidade não chegava a 7%. Hoje deparamos com uma situação em que o mercado ilegal chega a 33%. A evasão fiscal produzida pela ilegalidade representa uma perda de impostos da ordem de 1,4 bilhão de reais. Só o que se perde com a ilegalidade desse setor quase que financiaria o programa Fome Zero. Se juntarmos outros setores, de computadores, refrigerantes, cervejas, CDs, estaremos falando de uma evasão fiscal, relativa à pirataria e ao contrabando, da ordem de 20 bilhões de reais. O grande risco que essa indústria tem, não somente no Brasil, mas em várias partes do mundo, está relacionado justamente à ilegalidade. Existe uma recomendação da Organização Mundial de Saúde no sentido de elevar a alíquota do imposto sobre esse produto com o objetivo de aumentar o preço para o consumidor e com isso reduzir o consumo. Não concordo que isso tenha impacto sobre o consumo. O que vai acontecer é o aumento da ilegalidade.

Veja – A OMS acaba de aprovar uma convenção que visa à eliminação do tabaco no mundo. Por causa disso, o ministro da Saúde, Humberto Costa, chegou a defender a redução de 99% dos pontos-de-venda. Como a indústria pretende lidar com esse cenário?
Andrade – Se isso vier a acontecer, praticamente só ficarão disponíveis os pontos-de-venda que operam ilegalmente. Entre marcas e versões, o mercado legal oferece cinqüenta alternativas ao consumidor. Já o ilegal coloca 400 marcas ou versões à disposição. As autoridades sanitárias não têm nenhum controle sobre os produtos contrabandeados, falsificados ou que chegam ao mercado sem pagar impostos. Há produtos distribuídos ilegalmente que chegam a fazer promoções, oferecendo amostras grátis em bares e boates, o que é proibido pela legislação. Ninguém fiscaliza. Também não usam as imagens obrigatórias na embalagem. Mais uma vez, somente a ilegalidade se beneficiará de novas medidas dessa natureza.

Veja – O Congresso aprovou, na semana passada, a liberação do patrocínio de eventos esportivos até 2005. O senhor acha que surgiu uma brecha para as empresas de cigarro?
Andrade – Vejo, sim, uma brecha. Mas posso adiantar que não vamos tirar proveito nenhum dessa abertura. Não mexemos uma palha para que fosse revista essa proibição de eventos esportivos. Se tivesse de negociar com o Congresso a revisão de restrições, eu o faria com relação aos eventos culturais. A Souza Cruz realizava um dos principais festivais de jazz do mundo e foi obrigada a acabar com ele. As restrições que foram impostas pela publicidade, no passado, foram excessivas. Criaram uma dificuldade em relação ao combate do mercado ilegal. O que o governo fez agora foi retirar alguns excessos dessa lei.

Veja – Com tantos obstáculos a vencer, qual o futuro dessa indústria?
Andrade – Daqui a cinqüenta anos estaremos vendendo essas mesmas marcas, ou parte delas, mas com um conteúdo diferenciado. Nos últimos dez anos, tem havido uma evolução extraordinária. Os teores de alcatrão e nicotina se reduziram à metade. A indústria pesquisa para chegar a produtos que vão causar menos mal à saúde. Não estou dizendo que já estamos colocando no mercado cigarros seguros, mas vamos trabalhar nessa direção. Neste momento estamos tendo ótimos resultados com a redução de substâncias que podem provocar risco à saúde. Para algumas delas, precisamos desenvolver tecnologia. Mas tenho certeza de que daqui a cinqüenta anos, quando estiver fazendo a apresentação do resultado anual aos acionistas, certamente estarei falando da evolução dos cigarros e de quanto eles estarão seguros em relação aos atuais.

Veja – O debate sobre violência e criminalidade freqüentemente ressuscita a tese da liberalização das drogas como forma de desarticular o tráfico de entorpecentes. Qual é sua posição nesse caso?
Andrade – Eu não sou favorável à liberação das drogas, embora entenda que, se você eliminar o aspecto econômico de qualquer negócio, você cria realmente grande dificuldade para a continuidade. Mas, em princípio, não sou favorável à liberação, porque pode tornar-se incontrolável. Mesmo a maconha, considerada uma droga mais leve, não deveria ser liberada. Muitos nos perguntam se temos planos de comercializar a maconha. E a resposta é não, não e não!

Veja – O que o senhor recomenda às pessoas que querem parar de fumar e não conseguem largar o vício?
Andrade – Força de vontade.

Contribuição: prof. Dr. Joel Morais
Direitos autorais: Revista Veja

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