os que pretenderam falar ou escrever sobre a medicina baseando sua explicação em postulados como o "quente e o frio", o "úmido e o seco" ou qualquer outro que lhes agrade, cometem erros de vulto em muitas de suas afirmações por querer reduzir ao mínimo a causa das doenças e da morte do homem, atribuindo a todas a mesma origem, com base em um ou dois postulados. São, entretanto, mais censuráveis porque erram naquilo que é uma arte (τέχνη) real, de que todos se servem em momentos cruciais e pela qual os bons praticantes (χειροτέχνας, "artesãos") e profissionais (δημιουργούς) são tidos em grande estima. Alguns profissionais são ruins, outros muito bons; não seria esse o caso se a arte da medicina não existisse de nenhum modo e não fosse objeto de qualquer investigação e descoberta, caso em que todos os médicos seriam igualmente inábeis e ignorantes e tudo o que se relaciona com a doença seria governado pelo acaso. (...)
2. A medicina há tempos tem tudo o que necessita para ser uma arte (τέχνη), e descobriu um ponto de partida e um método com o qual se conseguiu através dos anos muitas e valiosas descobertas. E as demais irão sendo obtidas no futuro, se aquele que está capacitado e conhece o que já foi descoberto parte daí em sua investigação.
12. (...) Sendo tal a precisão requerida pela arte (τέχνη), é difícil que ela alcance em todos os casos a máxima exatidão. Muitas áreas da medicina, porém, atingiram esse grau de precisão, e delas falarei mais tarde. O que afirmo, portanto, é que não devemos rejeitar a antiga arte (τέχνη) como não existente, com o pretexto de que seu método de investigação é falho, apenas porque ela não atingiu a exatidão em cada detalhe. Acredito muito mais que, por ter sido capaz de elevar-se da ignorância profunda à exatidão quase perfeita por meio do raciocínio, temos de admirar suas descobertas como o resultado da investigação bem e corretamente conduzida, e não do acaso.
[ Hp.VM. 1; 2; 12 ]
Tradução
Referência
GARCÍA GUAL, C. e cols. Tratados hipocráticos, v. 1. Madrid: Gredos, p. 123-167, 1983.